João Geraldo Netto fala sobre conviver com HIV

Eu me lembro da primeira vez que vi a imagem do João Geraldo Netto. Foi em um maravilhoso vídeo onde ele pede seu atual marido em casamento.

O pedido, feito em uma brincadeira por ele apelidada de “Show do mozão”, faz a gente rir e ver o amor como o mais delicioso dos sentimentos.

Minha surpresa foi grande ao saber que aquele jovem de ótima aparência lidava com o HIV há muitos anos e que sua relação era a mais bonita prova de que relacionamentos sorodiscordantes não só são possíveis, como podem ser os mais belos.

Fiquei muito feliz quando ele aceitou nos conceder uma entrevista e falar um pouco sobre sua vida e seus desafios.

Assumo que eu sabia pouco sobre o vírus HIV e a doença que ele provoca, a AIDS. Como sempre é tempo de aprender, acompanhem comigo essa conversa para aprender, sorrir e evoluir ainda mais.

Em que momento da sua vida você descobriu que tinha HIV e o que te levou a fazer o exame naquele momento?

João Geraldo Netto – Eu tinha 25 anos quando eu descobri e o que me levou a fazer o exame foi um check-up que eu fui fazer para entrar em uma academia.

Eu precisava fazer alguns exames cardiológicos, que eram exigidos, e acabei indo ao médico e pedindo para fazer tudo. Faziam apenas dois meses que eu tinha plano de saúde, então já tinha um bom tempo que eu não fazia nada, assim eu resolvi fazer os exames gerais.

O médico pediu HIV, HPV, sífilis, hepatites, enfim. Até na hora em que ele pediu o exame de HIV eu disse para ele “não precisa fazer isso não”, e ele respondeu “ué, mas por que não?” e eu falei “meu companheiro não tem nada não, por que ele doa sangue”.

O médico então disse “mas você controla seu exame pelo do seu companheiro?” e eu: “ué, mas o HIV se pega por sexo, não?” e ele perguntou “mas eu posso pedir?” e eu confirmei.

Quinze dias depois eles pediram para eu repetir o exame e eu já fiquei meio bolado e pensei “ué, mas que merda é essa? Por que eles pediram para eu repetir?”. Mas na época alguém falou que tinha coagulado o sangue, que tinha estragado e eu refiz.

Quinze dias depois desse segundo teste eu fui chamado para pegar o exame e falei com o médico. Isso foi na rede particular e é completamente diferente o jeito que eles tratam a gente. Tratam bem, não estou dizendo que tratam pior ou melhor, mas é que no serviço público você tem um acolhimento, um aconselhamento pós-teste e na rede particular você não tem isso.

Você chega lá pega os exames, que eles te entregam no balcão mesmo. No meu caso foi diferente, por que eles me chamaram e eu fui falar com o médico, mas mesmo assim foi bem diferente do que acontece no serviço público.

Quando eu peguei o resultado, fiquei desesperado. Achei que fosse morrer em pouquíssimo tempo. Chorei muito, desesperado mesmo.

Logo em seguida liguei para o meu companheiro e falei “Roberto, deu merda. Eu fiz o exame agora e deu positivo para HIV. Você também vai ter que fazer os exames”.

Ai a gente saiu à procura de um médico para fazer o pedido de um exame chamado Exterglote, que era o mais complexo. Antigamente era assim, você fazia um Elizia, que levava um mês para sair e depois fazia um Exterglote, que levava mais vinte dias para sair.

E foi assim que eu descobri que era soropositivo. Me desesperei, ate porque na época eu estava fazendo uma pós, um MBA. Eu tinha 25 anos, como eu disse, e já estava vivendo em um relacionamento há 5 anos.

O mais estranho é que, quando eu descobri que era positivo, o meu companheiro era soronegativo, então a gente ficou super confuso de como pode acontecer isso. Mas depois o médico explicou que existem algumas possibilidades: ele podia ser imune ou a minha carga viral era muito baixa e não foi o suficiente para ter infectado ele nesse tempo todo.

Depois de um tempo eu comecei a ficar mais de boa. Fui para internet e achei muita coisa ruim e muita coisa bacana, mas o que mais me ajudou mesmo foi encontrar relato de pessoas na internet, por que até então eu não achava vídeo de ninguém falando que era positivo, nunca tinha visto alguém dizendo “sou soropositivo”, enfim, isso poderia ter me ajudado mais, eu acho.

Isso foi há quanto tempo?

João Geraldo Netto – Eu tinha 25, então foi há oito anos atrás. Eu tenho 33 hoje.

Você precisa fazer exames periodicamente especificamente para o HIV?

João Geraldo Netto – Antigamente, para iniciar o tratamento você tinha que estar com a imunidade muito baixa ou com a quantidade de vírus muito alta. Já tem algum tempinho – um ano, um ano e meio – que as pessoas podem iniciar o tratamento na hora que quiserem.

Desde sempre eu faço exames de tempos em tempos. No meu caso eu fazia de 4 em 4 meses ou de 5 em 5 meses para acompanhar essa quantidade de vírus que, no meu caso, como eu tomo medicamento, tem que sempre estar próxima de zero. Abaixo de 40 cópias por milímetro cúbico de sangue, o mínimo que o exame detecta. E o CD4, que é a imunidade, tem que sempre estar alto. Quanto mais alto melhor.

Então, eu faço isso direto. Inclusive eu fiz anteontem para saber como está, até por que eu fiz uma troca de medicamento, por que o anterior estava me fazendo mal, e eu tive que pegar novos.

Agora eu vou verificar se os medicamentos novos estão sendo eficientes. Se eles estão de fato controlando a replicação do vírus e não deixando minha imunidade cair muito.

Como está seu tratamento e os efeitos colaterais dos remédios?

João Geraldo Netto – Eu tomo os medicamentos todos os dias às 11 horas da noite. Sempre foi assim, desde o primeiro que eu tomei era às 11 horas da noite.

Os primeiros que eu tomava eram uma combinação, que hoje está uma cápsula só. São três em um.

Na época eu tomava quatro comprimidos, na verdade: um Efavirenz, que a gente fica malucão quando toma, um Tenofovi e o Lamivudina, que eram dois comprimidos e hoje é uma cápsula só.

Só que esse esquema me deu um monte de efeito colateral: eu tive insônia, eu era extremamente ansioso, eu não dormia, eu comia meus dedos todos, doía muito meu estômago. Eu tinha dores de cabeça terríveis, e isso todo santo dia. Dores de me incapacitar, eu não conseguia fazer nada de tanta dor de cabeça.

Os sonhos também ficam muito vivos, quando eram bons, eram bons demais. Sexo, por exemplo, era maravilhoso (risos). Você acabava, gozava, continuava e ainda tinha beijo na boca depois (risos).

Só que quando era um pesadelo, quando eu sonhava que alguém tinha morrido, por exemplo, eu acordava desesperado por que eu não sabia se aquilo tinha sido real ou se era só sonho.

Então tinha essa parte, que hora era boa e hora era ruim, mas o pior eram os problemas. Eu tive um problema no fígado também causado pelo medicamento, então eu tive que trocar.

Eu troquei para outro medicamento e este veio com mais efeitos colaterais, só que eu não tinha mais nenhum daqueles efeitos que eu tinha antes, com exceção da dor no estômago, por que são medicamentos muito fortes. Eu acabo tendo diarreias todo santo dia, vou ao banheiro seis ou oito vezes por dia. Quando eu tomo leite então, é destruidor para mim.

Mas o problema básico desses é que eu já estava acostumado aos efeitos dos outros, apesar de serem muito ruins, eu já estava acostumado por que eu já estava vivendo com aquilo há algum tempinho.

Com os novos eu não tenho mais aqueles efeitos, então eu vi o quanto o anterior estava sendo ruim para mim. Ir ao banheiro para mim não é problema, eu simplesmente vou. O problema é quando viaja. Aí eu nem posso pensar em tomar leite, por que me faz muito mal.

E você teve medo de iniciar o tratamento?

João Geraldo Netto – Quando eu descobri e comecei a estudar, isso há oito anos atrás, eu comecei a ficar com um pouco de medo de tomar os medicamentos sim, até por que já imaginava os efeitos colaterais deles.

Eu tinha, e tenho, muito medo de lipodistrofia que é o acumulo ou perda de gordura. Então a gente perde gordura no rosto, ganha gordura na barriga, perde nos braços e na bunda. É uma bosta, por que onde você tem que ganhar, você perde; e onde tem que perder, você ganha (risos).

Então, eu tinha muito medo. Mas isso mudou quando eu comecei a me relacionar com o André, meu marido hoje.

A gente teve um acidente durante o sexo. Um sexo de namoro dentro do banheiro, um sexo oral, mas ele acabou sendo exposto ao meu sangue e isso deu um problema grande. Ele teve que fazer a PeP, que é aquela profilaxia que faz quando você tem contato direto com o vírus.

Ele ficou muito mal, ficou internado vários dias por que os medicamentos são muito fortes. Eu fiquei apavorado e falei que eu queria tomar os medicamentos, só que eu não podia por que eu não tinha indicação clínica na época.

Eu cheguei a cogitar entrar com um processo contra o Ministério da Saúde, na época eu não trabalhava lá ainda. Cheguei a procurar um advogado e falar que queria obrigar o Estado a pagar o medicamento para mim, por que eu não podia comprar e eu não queria continuar oferecendo risco para ele. Eu estava me sentindo uma bomba biológica.

Foi por isso que o medo de tomar os remédios se tornou uma vontade de tomar o medicamento. Até que abriu uma exceção por um consenso médico da época e eu comecei a tomar o medicamento por ter uma relação sorodiscordante – onde um é soropositivo e o outro é soronegativo.

Mas eu só tive medo mesmo no início, nos dois ou três primeiros anos. Eu também comecei a estudar e ver que tomar o medicamento é a melhor coisa, por que a pessoa se sente melhor, fica mais saudável e não fica aquele medo o tempo todo.

Quando você não toma o medicamento, toda vez que você vai fazer o exame, o resultado está sempre piorando, nunca melhora.

Isso muda completamente quando você começa a tomar. Você começa a tomar o medicamento, inverte tudo. Tudo começa a ficar mais tranquilo, muda aquela perspectiva e do medo passa para esperança.

Houve evoluções no tratamento, em relação aos remédios e seus respectivos efeitos colaterais?

João Geraldo Netto – Eu tomo muito mais comprimidos hoje. Na verdade eu acho que a maior evolução aconteceu nesse medicamento de primeira linha que eu tomava, que de quatro comprimidos passou para um só. Ele é um pouco grande, mas é só um.

Isso facilita muito, por que antes eu tomava duas vezes. Eu pegava de dois em dois e tomava, só que isso duas vezes. Hoje eu tomo quatro vezes, ou seja, eu tomo muito mais comprimidos.

Eu tomo esse, que são quatro, e um comprimido de outro. Isso por que melhorou, por que esse, que é um, antigamente eram três.

Então, eu tomava oito comprimidos de uma vez só e eles são grandes. E eu tomava tudo de uma vez só.

Quais foram seus maiores desafios pessoais nesse tempo lidando com a AIDS?

João Geraldo Netto – Pessoalmente é o relacionamento sorodiscordante. É muito complicado esse medo que a gente tem o tempo todo de infectar o companheiro. É um medo iminente.

Isso eu acho que um desafio, é uma coisa muito ruim.

Só que depois que se toma o medicamento isso diminui. Hoje, por exemplo, eu não tenho mais medo de infectar meu companheiro por que eu sei que o risco é baixíssimo, mesmo que eu transasse com ele sem camisinha. Isso por que minha carga viral está baixa e o CD4 está alto.

E a gente usa a camisinha, então o risco é improvável. Mesmo não usando seria baixo, que é o que as pesquisas têm mostrado, mas a gente usa.

Por que você decidiu se expor e falar abertamente sobre o ser soropositivo?

João Geraldo Netto – Tudo começou em 2010 quando eu fui convidado a fazer a primeira campanha para o Ministério da Saúde.

Eu fui convidado por um cara que eu admirava muito. Eu tinha até visto um vídeo dele, foi o único vídeo que eu tinha achado de um soropositivo falando sobre isso abertamente.

Quando me convidaram, eu pensei “caraca, o que eu faço?”, até por que meu ex-marido era muito chato e não queria que eu expusesse minha vida de jeito nenhum. Eu sempre fui meio militante, nessa época eu era voluntário em um projeto social que tinha em uma favela em Petrópolis, não tinha nada a ver com HIV, era um projeto de comunidade.

Então eu já tinha esse quê de me mover para mudar o mundo – mudar o mundo entre aspas né (risos) – então eu resolvi fazer a campanha. Aceitei o convite e fiz.

Depois que eu fiz a campanha não teve mais como eu esconder. Foi uma coisa mais passiva, eu fui recebendo demanda das pessoas que vinham falar comigo e ia respondendo conforme ia aparecendo.

Com o tempo eu fui vendo a necessidade de fazer alguma coisa mais ativa. Foi quando eu entrei na rede nacional de adolescentes e jovens vivendo com HIV e AIDS, e lá eu fui fazendo alguns trabalhos e conhecendo a militância e o ativismo.

Foi aí que comecei a fazer os vídeos. Eu lembro que o primeiro vídeo que eu fiz, depois dos comerciais, foi falando dos primeiros dias de medicamento. Eu fiz três dias de medicamento, o primeiro, o segundo e o terceiro.

Só que o primeiro e o segundo eu fiz no dia seguinte, depois que o efeito tinha quase passado. O terceiro eu fiz durante o momento, então eu estava muito louco, por que o Efavirenz deixa a gente muito louco.

Eu só vi os dois primeiros no seu canal.

João Geraldo Netto – É que o terceiro você não vai ver mesmo por que eu não tive coragem de colocar no ar (risos).

Eu até coloquei no canal, mas eu fechei o vídeo. Não deixei aberto por que ficou ridículo (risos), eu estava muito louco. Parecia que eu tinha usado uma droga muito louca, eu estava doidão. Escrevia, falava que eu estava com muito calor, que era o que eu sentia naquele momento.

Depois eu ficava mexendo a cabeça falando como eu me sentia, então eu não tive coragem.

Mas aí eu fui partindo para outros vídeos e foram demandando novos. Algumas pessoas pediram para eu falar sobre o relacionamento sorodiscordante e eu fiz um vídeo falando disso.

E assim foi.

Em 2012 você foi a “estrela” da campanha do Dia mundial de luta contra a AIDS, então você era ponto focal mesmo. Como foi isso?

João Geraldo Netto – Em 2012 eu fui convidado para participar de novo. Em 2010 era eu e mais 14 jovens, depois já era eu sozinho. Foi bem mais tenso.

E eu falava abertamente: “Eu sou João Netto, eu sou soropositivo há dez anos”, então foi bem mais tenso, apesar de eu já ter mais tempo de militância.

Mas foi muito gostoso de fazer e quando você aceita fazer um papel desse, aceita fazer um campanha dessa, você assume um compromisso com as pessoas para ser um bom exemplo.

Na hora em que você se torna uma pessoa que é referência para outras, você tem o dever moral – não obrigação, por que ninguém tem obrigação de nada – mas você tem o dever moral de ser uma boa referência.

Então eu tenho o dever de tomar meu medicamento todo dia direitinho, de fazer os exames com frequência, de falar coisas boas para pessoas.

Por exemplo, eu sei o beneficio que o medicamento trás para as pessoas, então eu tenho que estudar sobre isso e falar desses benefícios.

Eu tenho que atender as pessoas que me procuram, por que na verdade é uma responsabilidade que se assume por um bom tempo. Não digo que seja pelo resto da vida, mas é por um tempo longo.

João Geraldo Netto João Geraldo Netto

Você acha que desse período para cá as coisas mudaram em relação a procura por informações ou o debate ficar mais aberto?

João Geraldo Netto – Eu não sei bem. Às vezes eu fico um pouco chateado, meio triste com o andamento disso, por que eu vejo que a gente retrocede em um monte de coisas.

Quando a gente pensa que está evoluindo no discurso, no diálogo, você vê que tem retrocesso como aquela reportagem sobre o clube do carimbo no Fantástico.

Algo extremamente sensacionalista, tratando como se todo soropositivo do Brasil fosse carimbador (pessoa que infecta propositalmente outras pessoas), isso me deixou muito puto.

E aí você vê as pessoas assumindo esse discurso, por que na verdade as informações que elas têm são aquelas que chegam pela grande mídia.

O que eu vejo hoje é que a gente tem mais possibilidades de encontrar informação se quiser. Por exemplo, tem vídeos meus na internet, coisa que não tinha antigamente, gente falando abertamente.

Tem vídeos do Diego Callisto, que meu amiguíssimo e é da sociedade civil. Eu trabalho para o Governo, o discurso é diferente. Ele tem um discurso mais político e eu tenho um mais de acolhimento e de carinho.

Então, hoje tem mais pessoas falando sobre isso, porém a informação na grande mídia ainda está um pouco complicada, ainda está muito sensacionalista.

Desde 2010 o Ministério da Saúde vem recomendando o uso de medicamentos antirretrovirais, conhecida como PEP Sexual, como mais uma forma de se prevenir contra o HIV. O que você acha desse tratamento?

João Geraldo Netto – Eu acho maravilhoso. Inclusive nessa semana foi lançado o protocolo de PEP, por que antigamente era bem difícil.

O André, por exemplo, só conseguiu fazer o tratamento por que conhecia todo mundo dentro do Hospital de Doenças Infectocontagiosas de Petrópolis, por que se não fosse assim e ele tivesse chegado dizendo que tinha tido uma relação sexual consentida e que tinha tido um acidente, provavelmente ele nem receberia.

Isso por que antigamente dependia de cada lugar e a gente tem um problema muito sério que é o fato do Brasil ser gigantesco. Apesar de ter normativa do Ministério da Saúde, as pessoas da base, da unidade de saúde, fazem o que quiserem por que não vai ter Jesus Cristo na terra que faça a pessoa pensar diferente na hora de atender uma travesti, por exemplo.

Então, mesmo que a gente tenha o conhecimento que toda transexual e travesti tem que ser bem atendida na unidade de saúde, que ela tem que ser tratada pelo seu nome social, tem um filho de Deus lá na base que vai fazer do jeito que ele quiser só por que ele tem a concepção pessoal de que é errado ser travesti.

Desse mesmo jeito acontecia se pessoa fizesse sexo sem proteção e quisesse fazer PEP. Acontecia, o que aconteceu com um amigo meu há poucos meses atrás: ele ficou 13 horas em um hospital aqui em Brasília esperando para ser atendido de PEP, isso por que esse tipo de atendimento tem que ser feito em até no máximo 2 horas.

Então, eu acho fantástico ter aberto agora um protocolo aonde vai ficar definido que, mesmo com a autonomia do município, existem também obrigações e tem que funcionar dessa e dessa maneira.

E eu acho que o papel do Ministério da Saúde é esse mesmo, colocar normativas para que as unidades de saúde sigam.

De modo geral, o que você acha da prática do sexo sem preservativo?

João Geraldo Netto – Eu acho assim, se eu sou soropositivo, entra uma questão de dever moral. Só que moral você não discute, por que o que serve para uma pessoa, não serve para outra.

Eu não crítico. Bareback, por exemplo, quem curte transar sem camisinha indiscriminadamente com quem quer que seja, eu não condeno, até por que eu nem estou aqui para condenar ninguém.

Na verdade, eu, como profissional que trabalha com prevenção de AIDS, não acho que estou aqui para julgar alguém como certo ou errado por fazer determinada atitude. Eu estou aqui para falar como ela pode se prevenir.

Agora, se eu tivesse a oportunidade de falar para alguém que é soropositivo e transa indiscriminadamente sem camisinha, sem avisar aos parceiros que é soropositivo, eu diria “cara, não tá legal. Você pode prejudicar uma pessoa. Se você infecta alguém que não está pronto para lidar com isso, você pode prejudicar seriamente essa pessoa”.

Só que eu não posso dizer para ela “você está errada, tem que fazer isso se não você vai para cadeia”, afinal cada pessoa tem uma consciência e eu acredito numa coisa: em uma relação sexual todos os envolvidos são responsáveis.

Se são duas ou mais pessoas, todas essas pessoas são responsáveis. Se eu quero cuidar da minha saúde, eu tenho que trazer minha camisinha comigo e alimentar essa ideia de usar o preservativo.

Foi como quando eu me infectei, eu não usei camisinha por que eu não quis. Eu quis fazer sexo sem camisinha, mas eu sabia que existia o HIV. Agora, depois que eu me infectei eu vou pro cara que me infectou e vou dizer “foi você que me infectou”.

A responsabilidade é igual, tanto dele quanto minha. Talvez entre uma questão ética e moral que se ele soubesse, ele deveria ter cuidado de mim, mas, sinceramente, no mundo você não tem que acreditar que outras pessoas vão pensar em você, por que não é assim.

Durante muito tempo se achou que HIV fosse doença de gay. Você acha que ainda se pensa assim?

João Geraldo Netto – Antigamente se achava que fosse doença de gay por que começou na comunidade gay. Foi um rapaz que trouxe o vírus para América, para o continente americano, e ele era gay, transava com outros homens que acabaram disseminando esse vírus dentro dessa comunidade.

Aí foi descoberto o “câncer gay”, mas no começo não sabiam o que era. Depois constataram que não eram só homens gays que pegavam, mas mulheres também contraiam o vírus e se tentou mudar essa ideia.

Depois disso todo mundo sabia que era para geral, mas agora, recentemente, se viu que é uma doença que ataca prioritariamente os gays, não por que sejam mais promíscuos, mas pela maneira como o sexo gay é feito.

O uso de pênis com o ânus é mais propício por que podem acontecer feridas. Então se vê que é mais fácil pegar HIV no sexo anal do que no vaginal, isso é um fato.

A gente percebe que hoje o HIV atinge mais certas populações, que são os gays, que são as travestis e transexuais.

Eu acho que a gente não deve tratar o HIV como uma doença de gay, mas também a gente não pode ser irresponsável a ponto de achar que o HIV atinge igualmente todas as populações, por que não é assim.

O vírus atinge mais homens que fazem sexo com outros homens e as travestis e transexuais.

Como é sua relação com a comunidade e lutas da população LGBT?

João Geraldo Netto – Na verdade eu não era militante LGBT, não era um ativista. Aliás, eu prefiro mais essa palavra ativista do que militante.

Eu não era ativista LGBT até o momento em que eu fiz um vídeo pedindo meu atual marido em casamento e esse vídeo ganhar uma proporção muito maior do que a gente esperava.

A partir desse momento as pessoas não me procuravam mais só por que eu era soropositivo, mas me procuravam também por eu viver um relacionamento gay e este relacionamento ter sido publicado. As pessoas me procuravam para perguntar sobre relacionamento.

Então, a causa gay caiu no meu colo, assim como a causa do HIV também já tinha caído. Eu tive que estudar muito sobre isso, por que até então eu era bem ignorante nesse sentido. Apesar de ser gay, na época eu não entendia nada da causa.

Eu fui estudando e comecei a falar mais sobre isso. E tem coisas que eu concordo e coisas que eu não concordo, mas a maioria das coisas eu concordo.

Eu não faço parte de nenhuma rede, nenhum movimento, até por que para mim é como religião, se eu não concordo com a maioria das coisas, eu prefiro não fazer parte. Mas eu trabalho junto e defendo.

Me considero um ativista LGBT, mas um ativista independente, por que não tem nenhum grupo que eu seja afiliado.

Eu faço o seguinte: sempre que vejo alguma coisa vinda do movimento, eu sempre analiso com mais carinho, e geralmente eu concordo.

O que eu não gosto muito é da agressividade, mas isso em qualquer movimento, não só o LGBT.

Eu não acredito que a gente consiga alguma coisa batendo de frente com a outra pessoa, eu acredito que você consegue ser muito mais convincente quando você traz essa pessoa para o seu lado pelo afeto, mostrando como as coisas funcionam, mas de uma maneira afetuosa.

Muita gente, por exemplo, se ofende quando perguntam “como você se infectou de HIV?”. Cara, para mim a resposta é “eu me infectei no sexo desprotegido”. Eu não vejo problema nenhum em responder isso.

Mas tem muita gente que se ofende com isso perdendo a oportunidade de levar a informação para as pessoas e complementar essa informação com um monte de outras coisas.

Para mim não faz diferença como eu me infectei, mas para outra pessoa, que não sabe de nada, faz.

Uma realidade que vivemos ainda no Brasil é o fato de gays não poderem doar sangue. O que você acha disso?

João Geraldo Netto – Olha, antes de formar minha opinião eu tive que ler para caralho sobre isso, por que é bem confuso.

Na verdade eles pegam duas normativas que batem de frente uma com a outra. Uma delas diz que nenhum cidadão pode ser impedido de doar sangue pela sua orientação sexual, por que isso seria descriminação.

Só que tem outra normativa dizendo que homens que fazem sexo com outros homens nos últimos doze meses não podem doar sangue, logo uma bate de frente com a outra, afinal como um homem gay que faz sexo com outro homem não pode doar sangue, só que ele pode por que não pode ser descriminado?

Mas o que acontece é que epidemiologicamente falando homens que fazem sexo anal com outros homens tem mais possibilidades de estarem contaminados do que homens heterossexuais fazendo sexo “vaginal”.

Então, epidemiologicamente falando o risco é muito maior e alguns exames só detectam o HIV em uma faixa de tempo meio longa. Assim, se eu sou gay e doo sangue, a possibilidade de eu estar infectado é muito maior do que um homem que não tenha feito sexo anal com outro homem.

Além disso, se eu estou infectado há pouquíssimo tempo os exames podem não detectar, mesmo eu já transmitindo o vírus.

Para evitar qualquer tipo de risco para pessoa que está recebendo o sangue, eles preferiram banir as pessoas que tem esse comportamento. Não é a orientação sexual que importa, é o comportamento sexual que é considerado nesse caso.

Então, eu não condeno por que entendo a epidemiologia da coisa, do risco, da vulnerabilidade e essas coisas. Contudo eu acho que as pessoas se sentem ofendidas com isso, afinal nem todo mundo entende isso de forma tão aprofundada.

Eu mesmo só entendo isso por trabalhar no Departamento de AIDS e ter procurado para caramba o motivo para não poder.

Aproveitando, como foi sua transição para o Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais e como é seu trabalho lá?

João Geraldo Netto – Isso foi na época da campanha, em 2012. Eu estava conversando com o pessoal que eu conhecia da assessoria e perguntei como faria para trabalhar lá e eles me falaram do trabalho como técnico ou consultor. Não era concurso, era um cargo específico, técnico. É um cargo de produtos, é uma questão bem complexa.

Então eles me perguntaram o que eu fazia e eu falei que trabalhava com comunicação, tinha pós-graduação em gestão, um MBA.

Eles falaram “poxa Neto, vai surgir logo logo uma vaga para isso, por que a gente está precisando de uma vaga nesse perfil. A gente vai lançar a vaga, você se inscreve e aí vê como vai ser”.

Quando surgiu a vaga, eu vi os pré-requisitos e eram muito parecidos com o que eu tinha de formação, por que eu sou formado em Marketing estratégico e segurança da informação, eu tenho MBA em gestão empresarial e gestão de pessoas, e tenho uma especialização em marketing digital.

A vaga era justamente para cuidar das mídias digitais e marketing digital dentro da secretaria de comunicação. Quando eu vi aquilo eu mandei, e óbvio que eu aproveitei para falar de toda minha militância dentro do HIV, afinal isso podia somar para mim.

Eu já tinha experiência com HIV e com comunicação. Eu já era gerente de marketing há sete anos de uma empresa em Petrópolis.

Aí eu me inscrevi e tempos depois eu passei por um processo seletivo e por fim me chamaram para trabalhar. Inicialmente eu comecei trabalhando na assessoria de comunicação, tomando conta das mídias sociais do departamento.

Depois, meu atual diretor foi acompanhando meu trabalho e quis me aproveitar na parte de prevenção e articulação social por esse contato que eu tenho com os movimentos sociais, pois, apesar de eu não fazer parte de nenhum, eu tenho um bom relacionamento com todos.

Também foi um pouco pelas minhas ideias e movimentação, por que eu sempre procurava fazer alguma coisa a mais e na assessoria de comunicação eu ficava meio preso.

Aí ele me mandou para CEPAS, que é a Coordenação de prevenção e articulação social. Lá o trabalho é muito mais estratégico, muito mais de pensar e bolar um monte de coisas.

Hoje é o que eu faço, eu trabalho com tudo na parte de articulação social e prevenção, mas especialmente para jovens gays, travestis e transexuais.

Na verdade é gays e outros homens que fazem sexo com outros homens, travestis e transexuais, especificamente isso e jovens.

Aliás, sempre que tem coisas com jovens é a gente que faz. Inclusive os cursos para jovens que o Ministério da Saúde coloca para juventude é a gente que faz.

Como você avalia a situação da saúde brasileira enquanto informação, prevenção e combate ao vírus do HIV?

João Geraldo Netto – A gente teve um momento muito bom no Brasil, principalmente no início da epidemia, aonde as campanhas eram bem mais potentes, onde as coisas eram bem mais ousadas. Acho que a palavra é essa: ousada.

Antigamente a gente tinha campanhas mais ousadas e ações mais ousadas. Nessa época nos demos um puta up com essas campanhas. Isso até a década de 1990, depois começou a cair um pouco com o conservadorismo do Brasil aumentando cada vez mais. Agora estamos tentando voltar.

Pensa que de 0 a 100, nos chegamos a 70, depois a gente caiu para 40 e estamos subindo de novo nesses últimos anos.

E não é puxando sardinha pro meu lado, mas eu admiro demais o trabalho do meu diretor e eu acredito muito nele. Eu acho ele um cara super ousado e vejo que nos estamos tentando fazer as coisas.

Algumas vezes nós não conseguimos por que temos um congresso absurdamente conservador, que está até querendo criminalizar a transmissão do HIV, e depois eu até posso dizer por que sou contra essa medida. Então, quando a gente tenta avançar, encontramos pessoas que puxam para trás.

Eu posso falar que sou extremamente orgulhoso de trabalhar para esse Ministério hoje. Vejo que a gente faz coisas muito bacanas e que infelizmente não conseguimos evoluir mais por que algumas pessoas não estão interessadas em colocar em prática aquilo que a gente pensa.

Infelizmente também tem pessoas que querem puxar o trabalho para traz, é muito estranho. A gente vê isso até de pessoas do movimento social, de quem se espera um excelente relacionamento.

Eu acredito que a nova militância tem que trabalhar junto com o governo, até por que o objetivo é o mesmo: acabar com essa epidemia toda. Mesmo assim tem pessoas que acham que a gente tem quer ser inimigo. Aquela velha história de ser do contra: se existe o governo, eu tenho que ser contra.

E toda essa ideia me soa tão démodé, tão antiquada. Não faz o menor sentido.

Eu sempre uso de exemplo os evangélicos da bancada evangélica.

A gente critica a bancada evangélica, fala “caralho, bancada evangélica é uma merda! Os fundamentalistas e tal”, mas cara eles andam todos alinhados. Eles não pensam diferente como a gente.

O movimento social de AIDS é repartido em um monte de pedaços. O movimento social LGBT é repartido em um monte de pedaços.

Ao invés de todo mundo se juntar numa coisa só – vamos falar de amor, por exemplo, e todo mundo falar de amor –, não. Vai cada um falando do seu interesse particular e completamente diferente, às vezes destoa completamente. Às vezes no mesmo assunto destoa e não se consegue falar a mesma língua.

Por isso o movimento LGBT ou qualquer outro movimento no Brasil não é tão forte e solidificado quanto o movimento evangélico.

Eles têm um livro que eles acreditam piamente, que é a bíblia. Ele tem seus líderes em quem acreditam piamente, que são os pastores. Eles têm tudo, faca e queijo na mão. A gente precisa aprender muito com eles.

Você comentou sobre a criminalização da transmissão do HIV. Fala para gente sobre sua posição e visão sobre isso.

Criminalização da transmissão do HIV
Criminalização da transmissão do HIV

João Geraldo Netto – Então, quando você pensa cru, você fala “po, o cara que transmite deliberadamente o vírus do HIV para outro é um belo filho da puta”. E essa é a primeira ideia que vem a cabeça.

Só que o cara que é assim continua sendo um belo filha da puta, e ele vai ser assim para o resto da vida.

Agora, vamos supor que hoje eu namoro com o André, somos casados, lindo. Meu relacionamento é muito fofo, é muito bacana viver com ele.

Aí de repente ele resolve abrir mão da camisinha, não aguenta mais a camisinha e um belo dia diz “ah, quero sentir por completo a pessoa”, aquela velha desculpa.

Aliás, um amigo meu até usou um exemplo dizendo que se um plástico te faz achar que sua relação não é completa, você tem outros problemas, e com certeza não é o plástico (risos).

Mas vamos supor que André queira abrir mão da camisinha, e a gente resolva transar sem camisinha de agora para frente por que é amor eterno, afinal é assim que as pessoas pensam, que relacionamento é para sempre.

A gente começa a transar sem camisinha. Hoje eu estou com carga viral indetectável, só que existe risco de eu infectá-lo. Supondo que eu o infecte. Estamos juntos, lindos, tomando os medicamentos juntos, todos os dias, felizes da vida.

Daqui a três anos eu o traio, meto um chifre na cabeça dele. Ele vai me odiar para o resto da vida.

Daí ele pode ir à polícia, caso a criminalização da transmissão seja aprovada, e dizer “olha, eu fui enganado. Eu não sabia que ele era soropostivo, ele me enganou. Eu não sabia e ele acabou com a minha vida”. Como é crime, ele vai poder me processar.

Até eu provar que focinho de porco não é tomada e que essa transmissão não foi compulsória ou não foi indiscriminada, que foi consensual, eu vou ter uma dor de cabeça absurda.

Eu só vou aumentar ainda mais o estigma que existe em torno do HIV. As pessoas que são soropositivas vão ficar cada vez com mais medo de falar pros seus parceiros com medo desse relacionamento não dar certo e eles serem acusados de estarem transmitindo deliberadamente o HIV.

A gente vai dificultar ainda mais a possibilidade das pessoas fazerem testes de HIV e descobrirem que são soropositivas, por que essa doença vai ficar cada vez mais estigmatizada.

O que já é uma merda ter HIV, por que eu tenho que tomar medicamento todo dia, vai ser uma merda por que eu vou ter que enfrentar uma multidão dizendo que eu posso ser um carimbador dos infernos.

Por essas e outras que eu sou radicalmente contra isso, em nenhuma situação. Até por que a gente já tem lei que pune quem transmite DST, então eu não preciso criar uma lei que pune alguém que vai transmitir o HIV, só para especificar que isso é crime e abrir brecha para esse monte de gente mal intencionada que quer fuder a vida do outro.

Até por que é a difusão de conhecimento e informação que pode diminuir a transmissão do vírus, não estigmatizar ainda mais a doença.

João Geraldo Netto – Sim. E a PCAP, que é uma pesquisa domiciliar que a gente faz, mostrou neste ano que mais de 90% das pessoas sabem que a camisinha previne a transmissão do HIV, no entanto só 30% usam a camisinha em todas as relações.

Então, a informação existe e chegou até eles em algum momento. Pode não ter sido informação suficiente para mudar o comportamento, só que chegou a informação. Eles sabem que, prioritariamente, a camisinha previne o HIV. Só que se eu não quero usar, não há quem faça que eu use.

E sobre sua relação com seu marido, o André. Vocês pensam ou já pensaram em adotar filhos? Ou o Kaio já cumpre esse papel?

André Moreira, João Geraldo Netto e Kaio
André, João e Kaio

João Geraldo Netto – Então, o André sempre falou em ter filhos. Eu também sempre pensei em ter filhos. Mas, cara, cada dia que passa eu fico mais decepcionado com o ser humano.

Eu fico muito decepcionado quando eu vejo, por exemplo, um cara – e não interessa se ele é bandido ou não é – sendo morto, espancado enquanto estava amarrado a um poste. Quando eu vejo o Estado Islâmico jogando pessoas de prédio ou matando com requintes de crueldade para mostrar para o mundo o poder deles.

Quando eu vejo certas coisas acontecendo aqui no Brasil como pegar a pessoa e arrastar ela pela rua intencionalmente até ela se despedaçar toda e morrer. Ou pai jogando filho de prédio.

Enfim, conforme eu fui vendo essas coisas eu fui ficando decepcionado com o ser humano e a gente começou a conversar muito sobre isso, sobre ter filhos e etc.

A gente gosta muito de viajar, é uma coisa que a gente ama mesmo. A gente ama se curtir e sabemos que isso mudaria um bocado se tivéssemos um filho.

Ai a gente aceitou ganhar o Kaio (um pug). Quando ele veio, eu fiquei ainda mais apaixonado por bicho e mais decepcionado com o ser humano.

Inclusive, essa semana eu até falei para alguns amigos, quando eles fizeram a mesma pergunta sobre filhos, “cara, se eu tivesse um filho e ele se tornasse uma pessoa preconceituosa, racista ou homofóbica eu acho que não me perdoaria. Eu acho que ficaria muito decepcionado”.

E outra coisa que eu fico pensando é que meu irmão, que está com 32 anos de idade, até hoje dá trabalho para minha mãe. Sinceramente, eu não quero um problema desses.

Sabe qual o problema que eu quero? Eu quero limpar xixi e coco de cachorro. Eu quero ter problema de comprar ração para ele, de trocar fraldinha, os tapetinhos higiênicos.

Eu quero ter problema de passear com ele no parque. É este tipo de problema que eu quero.

Eu tenho desistido um pouco. Tenho tentado não desistir do ser humano, mas eu tenho me decepcionado um bocado com as pessoas.

Eu sou muito sentimental. Eu até brinquei que vou pedir um floral para ser menos sentimental, por que eu sou sentimental demais.

Eu puxei ao meu avô, absorvo essa porra toda que eu vejo na televisão. Eu fico muito decepcionado quando abro o Facebook e vejo alguma coisa assim, eu fico puto para caralho.

Então, agora a gente afastou um pouco essa vontade de ter filhos, e por tempo indeterminado.

Talvez até venha isso, daqui uns dez ou doze anos, mas por enquanto não. O que a gente sabe é que ele vai se chamar Arthur.

E que conselhos, referências de estudo e informação você daria para quem acabou de se descobrir com HIV? Por onde começar?

João Geraldo Netto – Bem, o que eu falo quando me procuram com esse perfil, dentro desse cenário, é “já aconteceu, não tem mais o que fazer”.

Quando você se descobre soropositivo, infelizmente é para sempre, vai ter que conviver com isso.

Existe a possibilidade de você viver com muita saúde, quase normal. Você vai poder viver, vai poder passear, viajar, namorar, trabalhar, você vai poder fazer tudo. Só depende de você.

Eu acredito muito na resiliência, que é o poder que as pessoas têm de superar as dificuldades que aparecem na vida da gente. E uma coisa eu aprendi, só depende da gente querer. Eu posso escolher viver bem ou eu posso escolher morrer, ou não viver bem. Isso só depende de mim.

E existe muita ajuda, existem muitos lugares para você procurar ajuda. Existem pessoas na internet disponíveis e dispostas a ajudar. Existem pessoas em grupos de apoio, em centros de tratamento de AIDS ou em lugares onde se faz tratamento de HIV. Você tem todo esse tipo de referência.

Você tem que se apoiar muito no seu médico e na família. Eu sempre falo que esconder da família é a pior coisa que você faz na sua vida, por que enquanto você esconde, você está o tempo todo com aquela doença dentro de você, que é a mentira.

Você está mentindo para o mundo e você tenta mentir para você mesmo. E chega uma hora que você começa desacreditar que você está com aquela porra.

Quando você conta, pode ser difícil no início, mas depois tudo que vem é uma onda de coisa boa.

Todas as pessoas que eu conheço que falaram sobre sua sorologia para a família, ou para os amigos – e eu não estou dizendo que você tem que falar na internet – tiveram um resultado positivo.

Pode até ter resultados negativos que eu não conheço, mas os que eu conheço sempre foram casos positivos.

E o apoio que a família dá para gente é essencial. Amigos próximos, família, namorado, todos.

E também é tirar essa coisa da cabeça que a gente que é soropositivo só pode namorar com quem é soropositivo, por que isso é um preconceito. É se colocar em uma categoria inferior a categoria das outras pessoas.

Então, é bola para frente para tocar a vida. Vai ter que conviver com isso mesmo, vai ter que tomar medicamento, então que tome esse medicamento logo, por que tomar medicamento é muito bom, e bora viver a vida.

É ser feliz, por que não tem mais o que fazer. E eu escolhi ser feliz.

João, muito obrigado pela sua participação. Parabéns pelo seu trabalho, pelo lindo casamento, enfim, muito obrigado mesmo.

João Geraldo Netto – Obrigado e um beijo.

E se você tiver dúvidas, pode mandar para gente que repassamos para o João Geraldo Netto.

Um grande abraço.

Referências
João Geraldo Netto Youtube; João Geraldo Netto Facebook; Diego Callisto Facebook; Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais; Cristófoli Biossegurança; Chilliwiki; DDST, AIDS, HV Youtube; Vídeo do dia mundial da luta contra AIDS; Grupo SOS Vida;

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