Primeira Parada do Orgulho LGBT: Um sonho de maioridade

Primeira Parada do Orgulho LGBT de São Paulo: Um relato de alguém que realizou um sonho após 21 anos ao ir presencialmente nessa festa.

Confesso que hoje em dia nem era um sonho tão grande, mas há 21 anos quando aconteceu a primeira, era o maior sonho da minha vida.

Muita coisa mudou nesses anos. Naquela época eu ainda não tinha contado para minha mãe que era gay, ainda estava muito ligado a uma das igrejas evangélicas mais conservadoras que existe.

Minha homossexualidade era vivida de ler escondido a extinta revista G Magazine e ver alguns vídeos que eram vendidos em CD junto com revistas pornográficas.

Algum leitor pode estar se perguntando, de que mundo ele está falando? Isso mesmo meu caro leitor, do século passado.

Aos poucos a saída do armário foi acontecendo, naturalmente, cada dia com uma pessoa, até o dia que escrevi um longo texto para o site Fatos e Reflexões onde eu expus dores e sofrimentos de quem passa a vida sozinho sendo julgado e condenado por uma “escolha” que não fez.

Há alguns anos perdi a vontade de ir na parada. Já estava tão resolvida a minha sexualidade que eu julguei não ser mais necessário ir. Já havia ido em baladas gays, toda a família, amigos e colegas de trabalho já sabiam e minha vida se tornou um livro realmente aberto.

Outra coisa que eu sempre pensava era no quanto a parada ainda é importante. É uma festa, um ato político ou o que se tornou a parada? É tudo isso em um ato só.

Eu que nunca participei de uma manifestação, ao subir a Al. Casa Branca e se deparar com aquela multidão, o coração bateu mais forte.

Chegamos exatamente na hora do hino nacional e da abertura oficial da parada.

Ficamos em frente ao Masp vendo os trios e as pessoas passarem, apesar de muita gente ter feito como nós, se divertindo em um único lugar.

Foi maravilhoso ver a diversidade por todos os lados, me senti parte de todos e todos parte de mim. Apesar de ser redundante, cada ser humano é único e ali estavam milhões de seres únicos formando uma multidão com o mesmo objetivo, mostrar seu orgulho e pedir que o Estado brasileiro seja laico de fato.

E porque ter orgulho de ser LGBT, principalmente se nós que somos dizemos que não é uma opção, mas uma condição?

Orgulho porque não é fácil você nascer em um mundo que não foi feito para você. Seus pais e demais familiares não estão preparados para te receber, ensinar o que você precisa aprender dentro da instituição familiar. A escola não está pronta para receber esses alunos e ajuda-los a se entender como são.

E essa criança que começa desde cedo a perceber que está na contramão do mundo tem que sobreviver aprendendo sozinha o que ela é, o que ela deve fazer para sobreviver e se defender da sociedade toda que também não a recebe.

Quando chega a fase adulta, as portas de emprego estão fechadas, os lugares públicos estão fechados e o que sobra são guetos e dependendo da letra da sigla que a pessoa pertença, provavelmente só lhe sobrará ser explorada sexualmente, porque apesar de toda a rejeição, na hora do sexo a sociedade procura os LGBT.

É por isso que temos que ter orgulho, porque vencemos o medo, o preconceito e a morte, porque muitos foram assassinados ou não aguentaram a opressão e se suicidaram.

Quando você olha a multidão rindo, cantando, indo atrás dos trios, sendo elas mesmas é porque ali elas estão unidas e não tem medo de serem atacadas, discriminadas, perseguidas, assassinadas. Por isso uma festa.

E ter um Estado laico é um direito, porque além de estar na constituição brasileira, ninguém é obrigado a ter os mesmos dogmas de ninguém.

A constituição diz que todos os cidadãos são iguais perante a lei e, assim sendo, todos temos que ter o direito de ir e vir, usar os mesmos lugares que todos e ter os mesmos direitos de todos.

Se um casal heterossexual pode andar na rua de mãos dadas, um LGBT também pode. Pode beijar em local público, LGBT também pode, se uma criança tem apoio social e psicológico para ter um desenvolvimento saudável, é obrigação da família e de toda a sociedade identificar que a criança LGBT precisa de apoio diferente das demais crianças e proporcionar um crescimento sem traumas.

Todos os LGBT têm direito a educação, trabalho e respeito, para que como todos os demais possam contribuir para o desenvolvimento do país e do mundo.

Um congresso nacional, um poder executivo ou judiciário, não pode querer decidir como cada um vai viver sua vida individualmente, principalmente quando não fere os direitos dos outros, e lutar por isso é política.

Estou feliz por ter participado da parada, de ser um dos milhões que estiveram lá por um Estado laico, mas também para mostrar meu orgulho de ter vencido os preconceitos internos e externos e fazer da parada de SP uma grande festa, um grande ato político e onde cada um pode ser o que é: Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis, Transgêneros, Drag Queens, Ursos, Bichas, Viados, Mulherzinhas, Sapatonas, Exagerados, Discretos e tudo mais que lhe vier à cabeça.

E assim, continuemos lutando por dias melhores, para sempre.

Abraços, Sam.

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