A ilusão dos contos de fadas

A ilusão dos contos de fadas onde toda história se passa entre um “era uma e viveram felizes para sempre”.

Seja o que for que aconteça no espaço dessa vírgula, todo conto de fadas começa e termina basicamente do mesmo jeito.

É na infância que temos maior contato com essas produções mais fáceis e amplamente divulgadas em nossa cultura e acabamos por sonhar com as princesas, com os príncipes e com as histórias fantásticas onde o mal sempre aparece em tons frios de azul ou preto.

Assim moldamos parte da nossa percepção de mundo com base no que os filmes nos apresentaram, e muitos deles realmente têm lindas lições de amizade, respeito e superação, mas em sua maioria o que prevalece é sempre o luxo e beleza dos personagens perfeitos que, quando não digitalizados, são interpretados pelos atores mais abençoados pela mamãe natureza.

Mesmo depois de crescidinhos vivemos em meio às comédias românticas, que não passam de uma versão mais adulta dos nossos velhos contos de fadas da infância, e, que assim sendo, não fogem muito do formato já estabelecido.

Assim passamos a adolescência e a fase adulta acreditando, mesmo que inconscientemente, que aquelas histórias são factíveis e que a qualquer momento romperá em nossas vidas um príncipe em seu cavalo branco.

Talvez a grande questão seja que a maioria de nós nos vejamos metaforicamente como a princesa enclausurada, e poucos assumem o compromisso de lutar contra o dragão. Além disso, ainda podemos enfrentar a ideia de que outro só é fera feia enquanto não acontece o beijo do amor eterno, e que depois desse a vida será regada de magia e alegria.

Porém a realidade nos desafia de modo tão diferente que pode ser um choque, afinal nem todos carregam em si o equilíbrio estético cultuado no cinema e com certeza poucos de nós conseguem alcançar a candura e graciosidade de uma altruísta princesa encantada.

Assim sendo, como podemos enfrentar a realidade de nossas relações onde fera, princesa, amor, raiva, expectativas, frustrações e um apanhado de diferenças nos carregam por uma estrada sinuosa e imperfeita? Como podemos olhar no espelho e encarar a imperfeição de nossa pele, o nariz avantajado ou mesmo a falta de cabelos, se aprendemos que amor e a felicidade vem sempre para os belos?

O antídoto muito provavelmente não será tão facilmente alcançado, aliás me parece que a aceitação e a pacífica convivência com essa realidade só vem com o tempo e com a experiência de amar e aprender a equilibrar a coexistência de nossos defeitos com os defeitos de nossos parceiros e parceiras.

Porém em uma sociedade que cada vez mais caminha para a facilidade em se desconectar, antes disso será necessário reaprendermos a não descartar tudo com tanta prontidão tornando esse um dos dragões a serem vencidos e, diferente do conto de fadas, todos os dragões de nossas relações amorosas devem ser vencidos em conjunto e não só por uma das partes.

Enquanto isso vale lembrar que somos todos ogros e príncipes, mas provavelmente prevalece em nossas vidas o lado ogro, o que não é nenhum problema, o segredo talvez seja aprender a equilibrar-nos entre os dois (e sim, isso dá muito trabalho).

Portanto é válido nos assumirmos ogro e príncipe encarando também a responsabilidade de enfrentar os desafios da vida e das nossas relações.

Talvez abandonando um pouco a ilusão dos contos de fadas encontraremos o pântano que nos fará felizes de verdade.

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