Ser adulto talvez seja descobrir não sermos especiais e seguirmos firmes mesmo assim, conhecendo nossas irrelevância e mesmo assim continuar.
Sejam dos obstáculos físicos, causadores de feridas facilmente observáveis, sejam – algumas vezes – das decepções que nos causariam dores emocionais profundas.
Banhados pela proteção do lar, crescemos em meio a produções culturais que também nos vendem a ideia de que somos especiais.
Animações cada vez mais ricas e detalhadas, por exemplo, trazem consigo mensagens de autoajuda de dar inveja a alguns best-sellers das livrarias populares.
Ideias como “você é especial”, “mesmo sendo esquisito e rejeitado, no fim você será o herói”, “todos vão te admirar em algum momento” permeiam o cinema, os livros, as histórias e cases de sucesso e até brilham com alguma graça nos memes e emoticons das postagens nas redes sociais.
A hipótese do patinho feio vai assim ganhando moldes refinados, mas que no fim apresenta o mesmo argumento.
A vida adulta, no entanto, desafia a credulidade que construímos enquanto crianças, nos forçando, então, a repensar essa magia de sermos nós mesmos.
No mercado de trabalho, rapidamente você percebe não ser tão especial quanto a Sininho do Peter Pan pode ter feito você pensar e começa entender o problema de enfrentar uma concorrência acirrada por cargos e salários.
Descobre que conquistar qualquer coisa não é fácil e não virá para você por algum evento ou entidade mágica, mas, ao contrário, demandará tempo, energia e trabalho absurdos.
Também começamos a entender que amargor da derrota dura muito mais tempo e acontecerá muito mais vezes que as alegrias da vitória.
Vemos romper a ideia do príncipe encantado e descobrimos sermos totalmente responsáveis por matar o dragão e sair da torre. E, uma vez lá fora, se quiser um príncipe, ainda enfrentará uma concorrência enorme contra princesas provavelmente mais jovens, mais bonitas, malhadas e mais pausudas que você.
Ser adulto não é pagar contas ou ter permissão de dirigir, é mais sabermos disso tudo e mesmo assim continuarmos firmes e fortes, caminhando e avançando na vida.
Afinal, uma criança pode se trancar no quarto quando se chateia, culpar o mundo pelas suas frustrações ou pedir acalanto quando algo sai errado. De um adulto se espera o contrário, é continuar andando, com a cabeça erguida e sorrindo, mesmo sentindo dor e entender que a vida é assim mesmo e, algumas vezes, nem existe um culpado para odiarmos.
É saber chorar no momento certo e segurar as emoções nos momentos necessários.
É saber que não se é necessariamente a primeira opção daquele gatinho por quem você está caído e saber que sempre haverá alguém para concorrer contigo pelo que você conquistou – e você vai ter que saber lidar com isso de alguma maneira, mesmo que seja ignorando isso.
É levar um monte de foras e não perder a energia de tentar encontrar alguém para ficar, transar, casar ou o que quiser naquele momento.
É saber que tem pessoas com visões completamente diferentes das suas, e saber conviver com isso – e se necessário lutar para elas aprenderem a conviver com a sua visão também.
É entender que as pessoas mudam de ideia, que elas podem te machucar emocionalmente e saber lidar com isso da forma mais tranquila que conseguir.
É saber se defender e proteger das pessoas ruins, bobas e agressivas sem se fechar para outras pessoas, que podem oferecer uma incrível experiência de parceria (seja fraternalmente ou apaixonadamente).
Bom, pelo menos é assim que tem sido para mim. Talvez até existam aqueles que vivam um conto de fadas, mas não é a minha realidade e imagino não ser a de muitos.
Já fui segunda opção, já fui rejeitado diversas vezes, já puxaram meu tapete e já perdi coisas e pessoas que estimava demais por motivos bobos e por motivos complexos.
Mas a dor, no entanto, é o que rasga nossa alma – como diria Viviane Mozé. E sem isso, seríamos eternamente do mesmo tamanho.
Saber que você não é especial nesse sentido idealizado visto em filmes, por exemplo, pode ter um gosto amargo de decepção, mas se libertar dessa “matrix” e lutar pelo que se quer pode ser incrivelmente poderoso e ampliar seus horizontes de uma maneira incrível.
E ser adulto para mim está sendo enfrentar tudo isso de cabeça erguida, mesmo que algumas coisas doam muito e que eu chore a noite no quarto, mas pela manhã já sei colocar meu sorriso de volta e continuar a luta sem precisar da magia de uma fada encantada.